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Mostra sobre obra de Bispo do Rosário faz um balanço de sua genialidade

Doentes mentais são como beija-flores, nunca pousam, dizia o artista

Fonte: Divulgação
Mostra sobre obra de Bispo do Rosário faz um balanço de sua genialidade

“Um dia eu
simplesmente apareci!”. Esta era a frase dita por Arthur Bispo do Rosário a
quem perguntava sobre seu nascimento. A data em que ele nasceu é cercada de
mistérios: não se sabe se foi em 1909 ou em 1911. Mas foi na cidade de
Japaratuba, interior do Sergipe, que ele “apareceu” para seus pais e para a
vida.

 

Em 1936, já vivendo
no Rio de Janeiro, Bispo do Rosário sofreu um acidente de trabalho. Dois anos
depois, apresentou-se em uma igreja no centro da cidade dizendo que estava ali
por ser um enviado de Deus que iria “julgar os vivos e os mortos”. Daquela
igreja, foi levado para a Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, onde recebeu
o diagnóstico de esquizofrenia paranoide e ficou internado pela primeira vez.
Entre idas e voltas, Bispo do Rosário permaneceu em casas psiquiátricas durante
cerca de 50 anos. Ele morreu na Colônia Juliano Moreira em 1989.

 

Foi nessa colônia que
Bispo concebeu vasta obra artística, usando o material encontrado no local:
canecas, pentes, garrafas, calçados, papelão. Durante sua vida, produziu mais
de mil peças que só ficaram conhecidas quando uma reportagem para a televisão
foi feita em uma clínica de tratamento de problemas mentais, e ele foi
apresentado junto com seu trabalho. Além de miniaturas e justaposição de
objetos, Bispo do Rosário encontrou um jeito de fazer arte com bordados, que
mais tarde inspirou artistas como Leonilson, por exemplo.

 

Seu trabalho único,
todo interligado, é uma espécie de inventário para o Juízo Final e será
exposto, a partir desta quarta-feira (18), Dia da Luta Antimanicomial, no Itaú
Cultural, localizado na Avenida Paulista, em São Paulo.

 

A mostra Bispo do
Rosário – Eu vim: Aparição, Impregnação e Impacto é uma parceria com o Museu
Arthur Bispo do Rosário – Arte Contemporânea (mBRAC) e tem curadoria de Ricardo
Resende e co-curadoria de Diana Kolker, respectivamente, curador e
curadora-pedagoga do museu.

 

Todo a obra de Bispo
é relacionada às memórias que ele traz da infância, de seu trabalho na Marinha
e na Light, da vida na cidade e da vida no manicômio. “É como se fosse um
registro de passagem pela Terra. Ele foi diagnosticado como esquizofrênico e
ouvia vozes. Essas vozes o conduziram a criar sua obra. Em uma entrevista, ele
diz que as vozes o obrigavam a criar a obra para apresentá-la a Deus no Juízo
Final. Este era o objetivo de sua criação: ele juntava, guardava e
acondicionava objetos da vida terrena”, disse Ricardo Resende à Agência Brasil.

 

“A exposição faz uma
amostragem dessa obra, do que é possível apresentar, já que parte dela está
hoje em condições bastante precárias. Estamos ainda no processo de
restauração”, ressaltou Resende. Segundo o curador, as peças foram dispostas no
local da exposição sem hierarquia ou distinções. “Não existia isso para Bispo
do Rosário. Ele não dava títulos ou datas [para suas obras]”, acrescentou.

 

Exposição

A exposição, que
ocupará três andares da casa cultural, apresentará mais de 400 obras de Bispo
do Rosário, além de trabalhos de artistas que se inspiraram nele ou passaram
por ateliês de instituições psiquiátricas brasileiras.

 

As criações de Bispo
do Rosário reverberam na produção cultural brasileira até hoje e estão em
diálogo com 49 artistas. “Foi um desafio para a curadoria fazer esse diálogo”,
disse o coordenador de Artes Visuais do Itaú Cultural, Juliano Ferreira. “Para
Bispo, toda sua produção era uma coisa só. Então, a exposição traz essa
expografia com o Bispo no centro. Você vai observar, na expografia, que a
produção do Bispo é algo central dentro dos pisos”, explicou.

 

No primeiro andar do
Itaú Cultural, a referência será uma cela onde o artista viveu. “Foi uma
escolha curatorial e expográfica trazer a ambiência dp lugar em que Bispo viveu
a maior parte de sua vida. O visitante entra e pode observar os cobogós [uma
espécie de item decorativo que serve para separar ambientes], que é uma
analogia direta à estrutura e ao prédio onde Bispo viveu. Eles trocavam
bilhetinhos pelos buraquinhos dos cobogós. Era uma forma de ligação com o mundo
exterior. A expografia tem essa proposta labiríntica e é proposital para que o
visitante tenha um pouco dessa vivência”, disse Ferreira.

 

“Bispo recebia
visitas em sua cela, e é interessante porque os relatos que temos são de que
ele conduzia, de alguma maneira, a visita. A gente traz isso aqui: é um
conjunto de peças, de objetos, de partes da obra, trabalhos que se sobrepunham
um ao outro, e tenta recriar um pouco dessa ambiência”, explicou Resende. “A
ideia é causar um deslumbramento no público quando ele se deparar com essa instalação
que estamos criando.”

 

Bispo do Rosário

"Doentes mentais
são como beija-flores, nunca pousam", dizia o artista Arthur Bispo do
Rosário - Divulgação Itaú Cultural

Ainda no primeiro
andar, estarão retratos de Bispo feitos pelo fotógrafo Jean Manzon e publicados
em ensaio na revista O Cruzeiro, de 1942. Haverá também fotografias do artista
feitas em 1982 por Hugo Denizart, autor do filme Prisioneiro da Passagem, que
será exibido na mostra. Ali também estão suas séries feitas com sapatos, pentes
e canecas. “São objetos do cotidiano que ele transforma em uma instalação”,
destacou Ferreira, em entrevista à Agência Brasil. O primeiro andar apresenta
ainda uma coleção de faixas de misses.

 

O primeiro subsolo
tratará das instituições, mostrando, além das obras de Bispo, cerca de 300
trabalhos de outros artistas influenciados por sua produção. O impacto e a
impregnação na arte contemporânea permeia o segundo subsolo. É ali que se
encontra uma cama criada por Bispo. “A cama é interessante porque ele se apaixonou
pela terapeuta. E aí fez a cama com uma indumentária toda bordada. Acho que era
um amor muito menos sexual e muito mais essa coisa da idolatria. Era algo ali
para que ela [a terapeuta] se deitasse, como se fosse uma grande deusa”, disse
Ferreira.

 

Luta Antimanicomial

A escolha pelo dia de
inauguração foi proposital e pretende discutir as internações e o fim da
violência contra as pessoas em sofrimento mental. “A ideia de abrir essa
exposição é uma grande celebração da grande obra de Bispo do Rosário e de um
dia muito importante, o da Luta Antimanicomial. [E lembra] a violência que as
pessoas sofreram em situação de internação. Também é uma agradável coincidência
que o dia 18 de maio seja o Dia dos Museus. Será uma grande celebração”, disse
Ferreira.

 

Negro, pobre, “louco”
e vivendo em um manicômio, Arthur Bispo do Rosario disse certa vez que “os
doentes mentais são como beija-flores, nunca pousam, ficam a dois metros do
chão". Assim como sua obra.

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"Times New Roman";mso-fareast-language:PT-BR">Fonte: Nádia Franco/Agência
Brasil




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